Capítulo 6 - Como deveria estar... Talvez!


Capítulo 6 - Como deveria estar... Talvez!

Naquela noite, o tempo passava depressa. Mas Jorge, como poucas vezes na vida, não se importou. O papo estava tão agradável que ele se esquecera de tudo que havia acontecido há poucas horas. Seus olhos estavam vidrados na tela do computador enquanto ele escutava Tina Turner. A música era tão boa e tranqüila que aquele momento poderia estar durando horas ou minutos, mas Jorge não se ligava nisso. A cada mensagem que chegava aos seus olhos, seu rosto relaxava. Estava só, mas não se sentia como tal.
Através daquela tela, a “Professora Carente” emanava calor, colo, proteção e tudo que ele mais queria. E o mais interessante de tudo é que resolveram não cair no óbvio: não revelaram identidade, tipo físico, idade. A única coisa que possuíam eram seus nicks e um carinho que tão naturalmente se construiu. Uma parte dele tinha medo. Medo de se envolver. Mas essa parte agora falava tão baixinho, o que não era do seu feitio; ele era tão racional. Coisas acontecem.
Horas se passaram, e ele se encanta mais. Na mesma posição há horas, seus dedos digitavam cada vez mais rápidos procurando dizer mais de si, mostrando que era um homem interessado. Conseqüentemente, após escrever, ansiava por uma resposta. E quando ela chegava, nossa! Era o céu. Às vezes ele ouvia a voz baixinho: “pára com isso! Namoro de internet? Que balela!” Mas ignorava a cada mensagem que retornava à sua. E se engrandecia. Esse era o Jorge Grande, o Jorge herói! Aquele que não tinha medo de amar e que poderia ser tudo naquele momento. E ser feliz.
A “Professora Carente” parecia entusiasmada com o “Último Romântico”. A cada pergunta, uma resposta não demorava. A cada impressão, um alívio. A cada demonstração de carinho, mais carinho. Percebendo tudo aquilo, Jorge só queria ficar mais e mais. Nunca se sentiu tão a vontade e tão livre. Foi chata a hora da despedida, pois já era tarde. Mas marcaram de se encontrar na mesma sala no dia seguinte.

...

Com a noite mal dormida, Jorge acordou exausto. Ainda restavam alguns indícios de que ali havia tido uma reunião de amigos. A mesa do computador abrigava um copo com alguns restos de comida e embalagens de doces. Mas ele estava bem. Quando se lembrava da voz, um sorriso se abria em seu rosto junto com a sensação de estar tão carente a ponto de imaginar coisas. Não sabia seu nome. Não sabia como era seu rosto. Mas ela existia. Em algum lugar de Brasília alguém estava conversando com ele madrugada afora.
-Professora carente... - suspirou.
Arrumou toda a casa. Cantou, dançou (vejam só!) e passou o dia bem. Era disso que estava precisando: sentir o coração bater mais forte. Mas quando colocava suas roupas na máquina de lavar, a voz pessimista conseguiu um tom mais alto e impositivo em seus pensamentos:
-Isso está indo rápido demais! É loucura! Você está indo de encontro a um muro em alta velocidade!
Nesse momento, parou. Empolgou-se menos e decidiu deixar as coisas acontecerem como devem acontecer. Sem pressa. Definitivamente, decidiu que ia sair mais. Pra que se empolgar com isso? Será que outros homens se sentiriam assim? Estava ele errado? Como deveria agir?
-Me faltou experiência de vida isso sim! Meus amigos sempre me dizem isso. – pensa o bancário.
As perguntas e questionamentos ficaram pra depois, quando, mais tarde, ela entrou no chat, e então seus olhos brilharam novamente.


Chega quinta feira. Com seus livros na mão, Pedro caminha rapidamente pelos claros e movimentados corredores da faculdade. Seus olhos procuram por alguém. Seus passos curtos e rápidos denunciam que o intervalo está por terminar. Ele passa desviando dos grupos que conversam em rodas por toda extensão do corredor. Poucos notam a aflição do rapaz, mas alguns o observam.
Após algum tempo de andança, o sinal toca e, nesse momento, Pedro acha quem estava procurando:
-Nathan!
Ele caminha até o amigo, que conversava distraidamente com dois outros rapazes.
-Ei, Nathan! Beleza?
-Fala, cara! Beleza e você?
-Tô passando pra avisar que vou contigo lá pra festa do sábado.
-Mas e seus pais?
-Relaxa. Eu já dei um jeito nisso.
-Fechou então! Você vai com a gente.
-Beleza. Tô indo. Falou!
Pedro caminha, agora mais lentamente em direção a sua sala e entra junto com o professor. Durante a aula, Pedro sentia um pouco de aflição, ansiedade e confiança. Cogitava todas as possibilidades de que seu plano viesse por água abaixo: dissera aos pais que faria um trabalho na casa de um amigo na cidade satélite do Guará e voltaria pra casa apenas no domingo. Os pais não concordaram muito e até propuseram dos amigos irem para sua casa, mas acabaram permitindo.
Pedro queria muito sair, queria muito se libertar um pouco e sentir isso que Keysha sempre sentia, afinal, se ela pediu para que ele fingisse que não a conhecia, muito deveria haver de bacana naquele mundo. Uma pena que ela não fosse, e se fosse, não seria fácil encontrá-la. Um evento tão divulgado em Brasília daria muita gente. Mas enfim! Ele queria sair, queria ver gente, queria sentir o vento gelado da noite de Brasília em seu rosto e estar em um ambiente diferente de seus padrões. No sábado, que se danem os padrões!
No mesmo dia, Tio Pablo liga para o pai de Pedro para saber como vão as coisas e resolverem assuntos pendentes. No meio da conversa, Tio Pablo pergunta sobre o sobrinho:
-E Pedro como está?
-Está bem... Um pouco estranho na verdade.
-Estranho como?
-Caladão. Se a gente fala alguma coisa, ele já estoura.
-É assim mesmo, Paulo. Os jovens de hoje estão assim mesmo.
-Meu filho nunca foi assim, Pablito, aliás, nenhum dos dois.
-Não os prenda tanto, meu irmão. O que o Pedrinho conhece da vida?
-O suficiente para ter um futuro decente!
-E ele terá! Ele é muito inteligente. Mas o que fará quando conseguir um futuro e não ter histórias pra contar sobre sua juventude?
-Não me venha com essa, Pablito, você sabe muito bem que...
-Paulo César! Quando papai foi comprar cigarros e nunca mais voltou, a mamãe é quem ficou por nossa conta! E sempre nos criou com sabedoria! Sempre nos deixou fazer escolhas. Não ignore isso e nem seja um cego ditador agora!
-Jamais serei como a mamãe, Pablito! Ela era única! Não tenho metade da força e da sabedoria dela.
-Pois procure ter! E não crie um revoltado em casa. Pedrinho é um bom garoto, acredite nele.
-Vou conversar com ele.
Ao chegar em casa, Pedro nota seu pai calado. Ele passa para o quarto, onde deixa os materiais e vai para o banho. Ao retornar, nota que sua mãe se encontra na cozinha preparando algo para ele. Sua irmã está dormindo em seu quarto e seu pai, ainda calado, olha para a TV na sala, mas está claro que não está sequer prestando atenção na mesma.
Por um momento Pedro pensa que seu pai descobriu sua mentira para sair, mas isso seria muito difícil. A gente só descobre as coisas perguntando:
-Tudo bem, pai? – perguntou, chegando de mansinho e se sentando.
-Filho, precisamos conversar.
Acabou! Acabou tudo! Ele descobriu! Fim!
Pedro gela por dentro, mas mantém a calma:
-Claro, pai... O que está acontecendo?
-Filho, você sabe o que quer da vida?
-Como assim?
-Sobre seu futuro. Que impressões tem?
-Ué! Serei um administrador! Quero ter um futuro bem sucedido!
-Pedro, um futuro bem sucedido exige esforço e dedicação...
-Eu sei, pai, e estou me esforçando.
-Sei que você tem vontade de fazer coisas que todos os adolescentes fazem. Sair, farrear, paquerar as meninas. Mas isso não está certo, Pedro.
-Por que está dizendo isso?
-Olha, filho, não sou um pai ruim. Só quero o melhor para você e sua irmã.
-Eu sei, pai.
-Então ouça seu pai. Seja quem você é agora. Um garoto dedicado à família, aos estudos. Deixe as farras para os rapazes sem futuro.
-Pai! Eu não ando saindo!
-Eu sei! Mas antes que ponha essas ideias absurdas em sua cabeça.
Pedro se irrita e sai da sala. Sua mãe sai da cozinha e vai atrás do rapaz, que recusa o lanche e fecha a porta do quarto após sua saída.
Dona Mirna, com um andar cansado e devagar, se dirige à sala de olhar baixo:
-Paulo César! Mas que diabos você falou a este menino?
-O suficiente.
Ela sai brava da sala e se dirige à cozinha, deixa o lanche que preparou no forno e vai se deitar.
Enquanto isso, Pedro, bravo, acessa uma página pornográfica do computador de seu quarto e se masturba enquanto chora. O rapaz pratica o ato com fúria, cheio de coisas no pensamento. É como se precisasse ejacular todo aquele sentimento o quanto antes. O Pai, a mentira, Keysha! Nada daquilo ele queria sentir, nada de pagar um preço desses. Os seus movimentos demonstram necessidade de que se finalizasse aquele processo, que se livrasse logo de tudo que havia prendido. Seu peito era só revolta. Durante rápidos movimentos, eis que chega o clímax, onde Pedro sentiu um prazer que se misturou com dor, com alívio e cansaço. Ele fica uns segundos imóvel.
Após o ato o garoto se limpar em uns papéis que se encontram por perto, seca as lágrimas do rosto e vai dormir. Ele está decidido: vai para a festa!


Chega o tão esperado sábado. Nathan está em êxtase imaginando quantas garotas vai “pegar” nessa rave. Os garotos saem da faculdade comentando sobre festas anteriores e sobre as expectativas dessa. Pedro observa a movimentação e por um momento deseja ser invisível para que Nathan o esqueça e então ele tenha uma desculpa por não ter ido. Mas o amigo se vira quando já está do lado de fora da faculdade e grita:
-Pedrão! Vamo nessa, cara? Anda logo!
Ele sai então do transe e acompanha os rapazes. Sente um pouco de receio. Não mentiu nem se aventurou assim muitas vezes na vida.
-Se meus pais descobrem! – pensa o comportado rapaz.
Um amigo que não teve o último horário pegou o carro de Nathan e se dirigiu a um mercado para comprar Vodca, um galão de 5 litros de água, gelo, alguns saquinhos de suco e muita cerveja. Providencialmente, o carro de Nathan possui uma caixa de isopor no porta-malas, coisa que facilita o processo, uma vez que em raves a bebida custa mais caro. Para ele, vale fazer uma economia e trazer algo extra para antes de entrar.
Os rapazes seguem eufóricos no carro, gritando para as meninas na rua, mexendo com os mendigos e fazendo barbeiragens. Pedro permanece quieto na parte de trás do carro. Um dos rapazes diz:
-Iaê, Pedrão! Toma uma cerva aí!
-Não, não. Valeu! Eu to de boa.
O amigo faz cara de reprovação, mas diz logo em seguida:
-É bom que sobra mais! Ha, há, há.
Finalmente os afoitos rapazes chegam ao seu destino: o Estádio Mané Garrincha! As luzes coloridas que se vê de fora dão um ar psicodélico ao lugar. Muitas barracas de cachorro-quente, bebidas, gente gritando, cambistas. Pedro até se confunde com tantas coisas para observar. Passando entre os carros, nota que uma garota está vomitando no chão. Os rapazes tiram sarro dela:
-Eco! Guria podre! Eu não boto minha boca ali não!
-É, muleque! Fim da noite tu ta do mesmo jeito!
Todos caem na gargalhada.
Muita fila para comprar o ingresso. Um dos amigos de Nathan pega o dinheiro de todos e enfrenta a fila enquanto todos aguardam mais distantes do tumulto. Alguns minutos de silêncio entre eles, até que Nathan grita:
-Caraca, meu brother!!!
Ele sai e logo retorna com dois rapazes, um loiro e outro moreno. Eles parecem bem à vontade de bermudas transadas e blusas sem manga. Conversam bem empolgados, até que Nathan os traz para seu grupo:
-Galera! Esses aqui são meus brothers! Rody e Erick!
Todos dizem em tom baixo, fazendo sinal de joia com o dedo:
-E aê, caras. Beleza?
Pedro fica meio tímido, afinal, não costuma demonstrar muita intimidade com estranhos. Rody interrompe as apresentações:
-Ow, Nathan! Ericão aí pagou o maior vexa na boate semana passada! Sem noção!
Erick ri e todos sentem liberdade de rir também. Rody prossegue:
-O bicho ficou doidão! Caiu na boate!
Nathan, aos risos, se diverte:
-É, meu amigo, ta pensando que cachaça é água?
Todos riem até que o amigo que estava na fila retorna com os ingressos. Nathan diz:
-Vamos ali por meu carro? Tem um monte de cerva no porta-malas.
-Vamos sim, Nathan, - diz Rody - só a gente comprar os ingressos, beleza?
-Beleza então. Tamo indo pra lá.
Os amigos observam o ambiente e Pedro continua calado. Ele escuta o que os rapazes dizem e nota o estilo largado de Rody e Erick. Parece deslocado. Ele observa uma senhora vendendo cerveja em canto quando uma frase de um dos amigos de Nathan acaba com toda a sua calma:
-Ei, Nathan! Olha quem tá vindo aí! Aquela guria do cabelo rosa!


>>>> (continua na próxima semana!)<<<<<

*Na foto, Jorge e a sua misteriosa "Professora Carente".

**Música que animou ainda mais Jorge enquanto ele estava no chat:

Tina Tuner - We Don't Need Another Hero

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