Capítulo 9 – O amor está no ar!


Capítulo 9 – O amor está no ar!


Os dias frios vão chegando lentamente a Brasília. As noites são mais longas e o início desse período conta com chuvas muitas vezes pesadas que costumam a alagar algumas partes da cidade. Não é difícil ver pessoas saindo de casa para o trabalho com suas jaquetas ou blusas de frio, tirando ao longo do dia e voltando a usar no início da noite. O frio contrasta com o tempo seco e pessoas mais vulneráveis sentem os efeitos na pele como boca ou pés rachados.
Pela manhã, Lídia sai com antecedência de sua casa na Ceilândia e logo enfrenta um engarrafamento na via Estrutural. Os engarrafamentos do Distrito Federal são pequenos comparados a outras grandes cidades do Brasil, mas mesmo assim trazem dor de cabeça às pessoas. Depois de alguns minutos perdidos por causa de um pequeno acidente com moto, a professora de português pôde seguir caminho para a escola em que dá aula na Asa Norte.
Ao chegar na escola, a professora apressa-se. Já descendo do seu carro e mal fechando a porta, ela corre até a sala dos professores no térreo da escola, pega seu diário, seu apagador e seu giz e corre para a sala. Hoje é dia de prova para os alunos da 8ª série. A turma de Carolina, a aluna que não vai muito com a cara de Lídia, terá prova de orações subordinadas.
-Bom dia, turma. Arrumem as carteiras e tirem todos os materiais, deixando apenas lápis, borracha e caneta. Vocês vão ter esses dois horários para poderem fazer a prova. Está super fácil!
Após o aviso, Lídia abre sua pasta e começa a distribuir as provas. Após entregar a última prova, ela fala:
-Boa sorte!
A professora volta ao seu lugar e senta-se para preencher o diário. Após os dez primeiros minutos de prova, Carolina ainda não resolveu nenhuma questão e tenta olhar para a prova de sua colega ao lado. Ela aproveita a distração de Lídia e consegue colar as questões um e dois. Ao tentar olhar para a terceira questão, ela se assusta com a advertência da professora:
-Eu estou vendo cochichos e pessoas tentando colar... Vamos ter postura e saber que fazer prova não é algo mecânico... mas sim pra vida!
Carolina faz uma cara de decepção e até mostra o dedo para Lídia quando esta estava distraída. A aluna volta a olhar para a prova de sua amiga. Lídia pega o ato em flagrante desta vez:
-Carolina, a sua prova está na sua frente. Concentre-se nela.
A aluna se sente incomodada com aquilo e começa a colar na frente de Lídia. A professora se sente humilhada com aquela situação e decide se levantar. Ela vai até a carteira de Carolina e fala:
-Eu estou te pedindo, por favor, pra você não colar.
-Professora, volta pra preencher o seu diariozinho e me deixa em paz!
Os olhos de Lídia começam a lacrimejar e, num gesto de raiva, ela tira a prova da carteira de Carolina.
-Eu... eu vou falar pra direção da sua indisciplina, Carolina.
-Me devolve essa prova agora!
Os alunos param de se concentrar na prova e observam a histeria de Carolina. Todos ficam espantados com a atitude da colega de classe.
-Eu vou chamar o meu pai aqui! Você não tem esse direito! Devolve minha prova, sua doida!
Lídia começa a chorar com aquela situação e caminha para resolver o assunto com a diretora.
Passando-se alguns minutos, Carolina chega à diretoria onde Lídia e a diretora a esperam.
-Sente-se, Carolina. Eu quero saber o que houve.
-Diretora, a professora Lídia me maltratou e pegou com força no meu braço só porque eu olhei para o lado. Ela achou que eu tava colando e pegou a minha prova!
-Mas eu... – tenta Lídia se explicar, mas seu choro não a deixa.
-Isso é verdade, Lídia?
Lídia seca as lágrimas e, quando ia falar, o pai de Carolina chega na porta da direção. A professora se espanta com aquilo e observa que sua aluna é capaz de tudo.
-Eu vim saber o que houve com a minha filha! – fala o pai, cheio de autoridade.
Carolina se levanta e abraça o pai. Ela faz um falso choro:
-Pai, eu juro que não estava colando... eu juro!
-Você não me explicou direito por celular, filha. Mas eu vou processar essa escola e a professora por danos morais!
-Tente se acalmar, senhor. – fala a diretora – Tudo não passou de um mal entendido. Nós vamos deixar a Carolina continuar fazendo a prova numa sala separada. Ela não será penalizada.
-Assim espero!
O pai de Carolina a abraça e a chama para conversar em particular. A diretora chama Lídia, que estava chorando, e adverte:
-Tenha cautela da próxima vez em que for acusar um aluno. Não podemos deixar que essa gente deixe de freqüentar nossa escola!
Lídia se sente abandonada naquele momento e tenta disfarçar seu choro. Suas mãos tremem e ela procura um calmante em sua bolsa enquanto decide se levantar e lavar o rosto no banheiro.


Anderson chegou ontem à Casa do Estudante Universitário na UnB e nesse momento arruma sua bagagem na moradia. Junto com ele, mais dois rapazes dividem o apartamento no bloco B. Anderson organiza suas camisas enquanto os outros dois estudantes navegam na internet no notebook.
-Aqui em Brasília faz frio. Acho que eu vou ter que comprar blusa depois ah, ah, ah.
Os dois estudantes não olham para Anderson e continuam calados.
-Lá em Recife é tão quente que o calor daqui é fichinha pra mim. Minha mãe é que disse que eu vou sofrer nos primeiros meses. Meu pai riu desse comentário dela e falou para eu ser um “cabra macho”. É... acho que eu vou me acostumar... Vocês estão aqui há quanto tempo?
O silêncio se faz após a pergunta de Anderson. O calouro da universidade para um pouco e observa seus colegas de quarto. Parece até que eles fingiram que não escutaram.
-Ei, vocês dois! Vocês estão aqui há quanto tempo?
Apenas um se vira rapidamente pra responder, sendo bem curto:
-Três anos.
-Ah, ta... Achava que o gato tinha comido a língua de vocês. Pelo que vi, vocês, candangos, não costumam a falar muito.
-Ninguém aqui é candango. Somos do Paraná. E não chame os que nasceram aqui de candangos. São brasilienses. Eles não gostam.
-Ah, ta.
Anderson fica um pouco sem graça com aquela resposta meio estúpida do seu colega de quarto. Ele então continua:
-De qualquer jeito, acho que os brasilienses são muito frios. Não fazem amizade tão facilmente.
Anderson então entra no banheiro. Os dois rapazes se olham e balançam a cabeça. Nesse momento, uma universitária bate na porta. Um dos rapazes se levanta e abre.
-Gente! Ta rolando uma festa no “apê” da Pri. Ela ta convidando todo mundo! Bora? – fala a moça.
-Não sei...
-Deixem de ser morgados! Ta mó barato!
Nessa hora, Anderson sai do banheiro e a moça o avista.
-Vocês agora têm companhia?
-Opa, olá. Eu me chamo Anderson.
-E eu me chamo Jéssica. Tu é novo aqui, mas pode ir com a gente. Vamo se enturmar!
-Ir pra onde?
-Tá rolando uma festa aqui no segundo andar. Vamo!
Jéssica acaba convencendo os três a saírem do ambiente monótono e irem para a festa. Os dois colegas de moradia vão mais atrás e Jéssica segue com Anderson na frente.
-E aí, já conseguiu se enturmar com a galera?
-Eu to tentando, mas ta difícil. O povo daqui de Brasília parece que não gosta muito de amizade.
-Ha, ha, ha... o lance é que as amizades aqui surgem nos grupinhos, nas famosas “panelinhas”. Se você chega de repente, o povo estranha. Mas desanima não. Vamo lá pra conhecer a galera!
Jéssica pega na mão de Anderson e isso o deixa mais confiante. Isso sem mencionar o fato de a garota ter achado o calouro muito bonito. Ao chegar no apartamento de sua amiga Priscila, Jéssica já faz questão de apresentar os convidados. Anderson, no início, fica meio tímido, mas depois começa a se soltar. A música está alta e os universitários só pensam em dançar. Claro, não podia faltar bebida e todos se deliciam com um saboroso vinho. Há bebidas mais fortes, mas Anderson rejeita. O rapaz começa a despertar interesse em Jéssica com a sua habilidade de dançar.
Depois de algum tempo, Anderson se cansa e senta-se ao lado de Jéssica.
-Ha, ha, ha... que galera divertida. Tem razão, Jéssica. Acho que só assim que eu conheço melhor os cand... digo, brasilienses!
-É verdade. Deve ser “froids” se sentir meio sozinho...
-Ah, mas eu não tenho dessa não. Quem quiser chegar pra conversar comigo, se dá bem. Sou muito aberto. Adoro conversar!
Anderson bebe um pouco e Jéssica deixa se mergulhar no profundo azul de seus olhos. Ela sentiu algo diferente no primeiro contato com o rapaz. Seus pensamentos começavam a se agitar e os impulsos de seu corpo a queimavam por dentro. De repente, surge a hora perfeita: os universitários colocam uma música bem romântica para lembrar os velhos e bons anos 80.
-Vem, vamo dançar.
Jéssica puxa Anderson e os dois começam a dançar a música lenta. A garota deita sua cabeça no ombro do calouro e ele fica sem entender nada. Nesse momento, Jéssica concentra seu olhar bem fundo nos olhos de Anderson. Sua boca tenta se aproximar da dele... Anderson fica meio nervoso e desconsertado. Jéssica tenta aproximar seus lábios da boca do rapaz e ele tenta sair, mas ela o segura com os braços em volta de seu pescoço.
-Não, espera! – fala Anderson.
-O que foi? Não seja tímido...
Jéssica força a situação e encosta seus lábios nos de Anderson por meio segundo. O rapaz a tira com força.
-O que foi? – fala a garota meio espantada.
Anderson respira fundo e fala:
-Preciso ir! Eu não liguei em casa até agora! Meus pais devem estar preocupados.
Anderson deixa Jéssica só e sai da festa.


A tarde vai cedendo lugar para a noite em Brasília. A avenida W3 começa a ter seu trânsito intensificado por causa do final do expediente, alunos saindo da escola, alunos descendo na parada da faculdade, pessoas indo embora pra casa depois de um dia cansativo de trabalho... É nessas horas que as artérias da cidade mostram mais vida do que nunca.
Nesse momento, Keysha chega em casa após ter aula de inglês. Ela faz pouco barulho e já corre logo para o seu quarto. A garota de cabelos rosa tem uma surpresa ao chegar em seu quarto e ver sua mãe arrumando algumas coisas. Até escada perto do guarda-roupa tinha.
-Que bagunça é essa aqui no meu quarto?
-Oi, filha. Eu tava limpando em cima do seu guarda-roupa.
-Não precisa disso, mãe. A senhora sabe que eu não gosto que mexam nas minhas coisas!
-Olha o respeito, Keila! Pra dizer a verdade, eu fui procurar essa caixa aqui. Estava toda empoeirada.
-E o que tem nela?
-Fotos antigas. Tem até foto do meu casamento. Foto sua pequenininha na escola... foto sua no teatrinho da escola... Várias recordações!
-Ai, que horror! Eu não quero ver isso.
A mãe de Keysha pega um álbum e começa a passar suas fotos. É um álbum de fotos da formatura da quarta série.
-Olha como você tava mais bonitinha. Seus cabelos castanhos claros realçavam mais a sua beleza... Lembro que a professora te elogiava porque você tirava as notas mais altas da classe! Era tão educadinha. Você até brigou com uma coleguinha sua... ela tinha cortado seu cabelo com uma tesoura... Ah, essas crianças!
Aquelas lembranças viam à tona na mente de Keysha e feriam o seu ego com pedaços de vidro afiados. Relembrar coisas do passado a tornavam frágil, enfraquecia a estrutura sólida e o muro em volta de si que ela construiu. Aquilo não poderia retroceder!
-Aaaaaahhh!!! – grita Keysha.
A garota de cabelos rosa tem uma crise de surto e derruba os álbuns no chão. Sua mãe se assusta com aquela atitude:
-O que houve? Você está bem, Keila?
-Eu gosto que me chamem de Keysha!!!
-Esse não é o seu nome! É só um apelido! Por que fez isso?
Keysha tenta se acalmar e respira fundo:
-Eu to precisando ficar só, mãe!
Sua mãe a olha estranho.
-Recolha isso do chão! Depois eu quero uma explicação pra isso tudo!
A mãe de Keysha sai do quarto. A garota fecha a porta e respira fundo. Ela passa a mão em sua cabeça e olha os álbuns de fotografias que ela derrubou.
-Vou recolher isso porque eu não quero ficar vendo!
Keysha recolhe os álbuns e os amontoa de forma desorganizada. De repente, uma foto escapa do álbum. A garota pega e vê uma foto sua da oitava série. Ela e mais duas amigas. Ao olhar para o fundo, Keysha reconhece a pessoa... Era Pedro...


Horas depois, Lídia deixa a escola depois de um dia estressante de trabalho e se dirige ao shopping Pátio Brasil, na Asa Sul. Ela prefere estacionar dentro do estabelecimento, pois está frio lá fora. Ao chegar perto do elevador, a professora de português lembra-se de que tinha que ir à praça de alimentação. O estresse com a aluna Carolina a deixou com sentimentos e memórias confusas.
O elevador chega ao andar da praça de alimentação e Lídia tenta encontrar o lugar certo... Ela começa a ficar nervosa quando pensa no real propósito de estar ali. Então, alguém atrás dela a chama:
-Oi, “Professora Carente”.
Lídia olha para trás e dá um sorriso ao ver Jorge com um buquê de flores.



>>>> (continua no final dessa semana!) <<<<


*Na imagem, Lídia no shopping!

Música dos anos 80 que os universitários da UnB curtiam enquanto Jéssica e Anderson dançavam juntos:

Withisnake - Is This Love

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